O Ser Humano em Adaptação.
Texto de Paulo Freire.
Indiscutivelmente do ponto de vista biológico, talvez nenhum outro ser tenha desenvolvido uma capacidade de adaptação as circunstâncias maior do que o homem e a mulher. A adaptação no ser humano é um momento apenas para o que eu chamo, a sua ou da sua inserção. O que é que, qual é a distinção que eu faço entre adaptação ao mundo e inserção no mundo. A distinção é a seguinte, é que na adaptação, há uma adequação, há um ajuste do corpo as condições materiais, as condições históricas, as condições sociais, geográficas, climáticas etc. E na inserção, o que há, é a tomada de decisão, no sentido da intervenção no mundo.
Por isso mesmo eu recuso qualquer posição fatalista diante da história e diante dos fatos, eu não aceito, por exemplo, expressões como; é uma pena que haja tantos brasileiros e tantas brasileiras morrendo de fome, mas afinal a realidade é essa mesma. Não. Eu recuso como falsa, como ideológica essa afirmação, nenhuma realidade é assim mesmo, toda a realidade esta aí submetida à possibilidade de nossa intervenção nela.
Eu não tenho dúvida nenhuma que a história da luta pela justiça rural e agrária nesse país, que hoje o Movimento dos Sem Terra explicita, numa posição que não diria final, mas numa posição crítica de quem se assume como sujeito da história, revela a superação da posição inicial da adaptação, da adequação, inclusive como uma forma de defesa.
Para mim uma das preocupações minhas, uma das razões de minha luta, uma das razões de minha presença no mundo, é exatamente a de que como educador, eu posso contribuir para uma assunção crítica da possibilidade da passividade, para que se vá além dessa passividade, no que chamo de posturas rebeldes e de posturas criticamente transformadoras do mundo.
http://www.youtube.com/watch?v=Ul90heSRYfE&feature=related
O Ser Humano em Evolução.
Texto de Paulo Freire.
Eu acho que nós somos homens e mulheres, seres inacabados, mas com uma diferença radical em face do inacabamento das árvores, do inacabamento dos outros bichos por exemplo. E no momento mesmo em que nos tornamos capazes de nos saber inacabados, seria uma imensa contradição se ao mesmo tempo, não nos inseríssemos num movimento que é permanente e que é um movimento de busca, um movimento de procura.
O processo em que nos inserimos de permanente busca, eu venho chamando de vocação do ser mais. Na busca ou no processo de busca da completude dessa vocação do ser mais, nos perdemos também, quer dizer, estamos a uma indiscutível possibilidade de distorcer o processo de busca do ser mais, e a essa distorção, eu chamo de desumanização, quer dizer a desumanização por isso mesmo não é virtuosa, a desumanização é um acidente trágico a que nós estamos sujeitos, no processo de buscar a nossa humanização crescente.
O que nós temos pela frente é exatamente essa caminhada, em que ser e deixar de ser, se embatem. Haverá sempre a possibilidade das trágicas desistências de ser. A grande tarefa nossa de passar pelo mundo é exatamente a da briga constante, permanente, pela busca do ser mais.
http://www.youtube.com/watch?v=fBXFV4Jx6Y8
Textos extraídos da última entrevista com Paulo Freire realizada em sua casa no Alto Sumaré, zona oeste de São Paulo, por Luciana Burlamaqui.